Impactos da descriminalização da maconha em condomínios

Passado um mês da decisão do Supremo Tribunal Federal que fixou 40 gramas como limite para a diferenciação entre usuários e traficantes, muitas dúvidas ainda têm surgido com relação à maconha em condomínios. Afinal, ela está ou não liberada? E como isso afeta as relações entre moradores?

Descriminalização x legalização da maconha: qual é a diferença?

Ao contrário do que foi disseminado em redes sociais e aplicativos de mensagens erroneamente, o uso da maconha não está liberado no Brasil. O que houve foi uma descriminalização da cannabis sativa, especificamente até 40 gramas ou seis pés da planta, somente para uso pessoal.

“Não havendo legalização da maconha, ela continua sendo uma droga ilícita. Então, se alguém for visto consumindo nas áreas comuns do condomínio, o síndico pode chamar a polícia ou a guarda municipal para fazer a apreensão da droga”, explica Maicon Guedes, síndico profissional e advogado especializado em condomínios.

Tratado como ilícito administrativo, o mero consumo não será passível de prisão em flagrante ou prestação de serviços à comunidade, mas o usuário ainda pode ser conduzido à delegacia, sofrer advertência sobre os efeitos das drogas e ter que comparecer em cursos educativos.

Independente da quantidade, caso as circunstâncias indiquem comercialização do entorpecente, a pessoa pode ser denunciada como traficante e responder criminalmente.

É crime ter planta de maconha em casa para uso medicinal?

Há dez anos, surgia a primeira decisão judicial favorável ao uso do óleo cannabidiol no Brasil, substância presente na cannabis sativa que teve efeitos positivos comprovados sobre algumas doenças que afetam o sistema nervoso central.

Desde então, o acesso a tratamentos à base de maconha foi facilitado, até que em 2023 o Superior Tribunal de Justiça autorizou o cultivo domiciliar com fins medicinais para três pessoas que já tinham prescrição médica, abrindo jurisprudência que guiou futuros processos.

Para Guedes, “nos condomínios onde as plantas da maconha ficam visíveis a outros moradores, é interessante que o condômino que as possui comprove ao síndico que tem a devida autorização e recomendação, normalmente de um neurologista”.

Experiência prévia nos EUA traz ensinamentos para síndicos

Atuante na Flórida, onde o processo de legalização da maconha recreativa se encontra na reta final, restando apenas a votação popular, Flávio Monteiro administra condomínios com imóveis para aluguel nos Estados Unidos.

Segundo ele, antigamente, a percepção do cheiro da erva ocorria de forma pontual, mas agora acontece em todo lugar, o tempo inteiro. “Estamos vivendo uma mudança social e talvez a maconha entre nesse contexto”, alega.

Apesar dos cenários completamente divergentes entre si, uma vez que lá alguns estados já permitem o uso recreativo e medicinal da droga, enquanto em outros isso é terminantemente proibido, Flávio acredita que a tendência de aumento nos conflitos possa se repetir no Brasil. Assim, ele compartilha como tem lidado com a questão:

“O condomínio não pode, enquanto entidade de pessoa jurídica, tomar uma medida repressiva. Eu sou pai e entendo perfeitamente quando chega um relato de uma mãe incomodada com a situação. Meu primeiro procedimento, tanto aqui quanto nos Estados Unidos, é conversar e tentar entrar num acordo. Dependendo da situação, vamos avaliar se o aluguel será renovado.”

Nos Estados Unidos, o direito individual costuma ser mais forte que o direito coletivo, então todo cuidado deve ser tomado para não interferir na liberdade do cidadão. Ainda assim, existem limites e, numa ocorrência grave, pode-se recorrer à arbitragem ou ao judiciário.

“Em junho de 2008 fomos surpreendidos por uma operação policial dentro do condomínio. Tudo começou com o cheiro de maconha e, depois, foi descoberto que as inquilinas estavam envolvidas com tráfico de drogas. Nós entramos com o pedido de despejo e retomamos a propriedade porque sua função foi descumprida”, relembra Flávio.

Como a descriminalização afeta a convivência em condomínios?

Para a síndica profissional e advogada especializada em mediação de conflitos, Gabriela Megale, “a descriminalização da maconha através de decisão do STJ, que tornou o porte para uso apenas um ilícito administrativo, acabou sendo uma pedra no caminho do síndico”.

“O uso de drogas já é conhecido como um dos desafios existentes dentro dos condomínios e, diante dessa decisão, muitos condôminos passaram a utilizar a maconha com mais frequência, até de forma desinformada, como se isso viesse como um empoderamento”, conta.

O que fazer se o vizinho fuma maconha?

No âmbito condominial, por conta da Lei Antifumo (12.546/2011) e também pelo próprio artigo do Código Civil sobre perturbação do sossego, é possível estabelecer restrições ao consumo de maconha ou qualquer outro fumígeno, como: cigarro, charuto, cachimbo e cigarro eletrônico (vapes ou pods).

Dessa forma, caso o condomínio não possua regras específicas sobre o tema, é preciso atualizar o Regimento Interno para incluí-las, determinando a aplicação de multas e advertências quando o flagrante ocorrer nas áreas comuns. Como mencionado no início da matéria, as autoridades também podem ser acionadas.

Segundo Maicon Guedes, é preciso ter muito cuidado para não fazer acusações falsas, afinal um “baseado” pode facilmente ser confundido com cigarros artesanais, que têm um cheiro mais forte que o habitual. Caso isso ocorra, o condomínio corre o risco de ser processado por danos morais.

Já quando o uso da maconha ocorre dentro das unidades, o síndico pode encontrar dificuldades para aplicar qualquer tipo de sanção, afinal não se pode afirmar que o odor se trata realmente do entorpecente. Logo, a medida mais indicável é ter uma conversa amigável com o morador.

“Como mediadores, os síndicos têm que levar em consideração que se tratam de relações continuadas. Às vezes o condômino está desinformado, então a primeira alternativa para a gestão evitar uma escalada do conflito seria abrir a possibilidade do diálogo de uma forma discreta, ou seja, sem a exposição daquele morador”, explica Gabriela.

“Uma das técnicas da mediação envolve tentar se eximir de qualquer julgamento de caráter, tentando levar para o aspecto prático na escuta ativa, trazendo informação e auxiliando aquela pessoa a entender que aquilo pode trazer um ambiente hostil para ela e para a coletividade”, complementa.

Fonte: Sindiconet

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